A Nova Rota da Seda – Importância Estratégica de São Tomé e Príncipe na Rota Atlântica

 

A Nova Rota da Seda – Importância Estratégica de São Tomé e Príncipe na Rota Atlântica

Wilson Bragança, 2019.

Abstract

São Tomé e Príncipe tem uma localização geoestratégica privilegiada no Oceano Atlântico e no Golfo da Guiné, a cerca de 150 quilómetros da África central e atravessado pela linha do equador. O país retomou a cooperação bilateral com a República Popular da China em Dezembro de 2016, após cerca de 20 anos de estabelecimento de relação com a República da China (Taiwan). Desde então a relação de cooperação sino-sãotomense tem atraído interesse de vários parceiros bilaterais e multilaterais, e tem sido objeto, interna e externamente, de várias análises e reflexões sobre quais os reais interesses da República Popular da China em São Tomé e Príncipe, ou o que São Tomé e Príncipe poderá receber e oferecer, em troca.

Assim, o propósito deste ensaio é analisar a relação China-São Tomé e Príncipe, procurando responder a questões essenciais como: a importância geoestratégica de São Tomé e Príncipe na rota do atlântico, no quadro da iniciativa a nova rota da seda. Assim como as implicações para São Tomé e Príncipe dessa iniciativa.

Key words: São Tomé e Príncipe, China, a nova rota da seda, atlântico sul, localização geoestratégia, golfo da guiné.

 

1.         Introdução

São Tomé e Príncipe é um país arquipelágico, situado no Sul do oceano atlântico, concretamente no Golfo da Guiné, a 150 quilómetros da costa Áfricana. É atravessado pela linha do equador, o que lhe dá uma latitude de 0º graus e apenas 0,7º de longitude, razão pela qual também é conhecido como as ilhas do meio do mundo.

Após a independência em 1975, o país estabeleceu relação diplomática com a República Popular da China, e ambos os países assinaram vários acordos de cooperação até 1997, altura em que São Tomé e Príncipe decidiu reconhecer a ilha de Taiwan.

Cerca de 20 anos depois, em Dezembro de 2016, São Tomé e Príncipe restabelece a relação de cooperação bilateral com a República Popular da China. Desde então, a relação de cooperação sino-sãotomense tem sido alvo de interesse por parte da comunidade internacional, nomeadamente do Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, União Europeia, e objeto, interna e externamente, de várias análises e reflexões sobre quais os reais interesses da China para com São Tomé e Príncipe, o que São Tomé e Príncipe poderá oferecer e receber, em troca, quais são os benefícios e ou vantagens dessa cooperação para ambos os países?

Pois, a China está empenhada no estabelecimento de uma parceria estratégica mundial, com objetivo de aumentar a sua influência e poder a nível global, através da iniciativa designada “a nova rota da seda”, em que São Tomé e Príncipe atendendo a sua localização geoestratégica no golfo da Guiné, poderá ter um papel importante na rota marítima no atlântico sul. Pois, de acordo com uma investigação do Financial Time, de Janeiro de 2017, a China tem gasto bilhões de dólares na expansão da sua rede de portos para assegurar linhas marítimas para se reestabelecer como uma potência marítima, e as Ilhas de São Tomé e Príncipe no oceano atlântico também atraiem o interesse do investimento Chinês.

Neste quadro, o propósito deste ensaio é analisar a relação da China e São Tomé e Príncipe, procurando, responder essencialmente a questões essênciais como: qual é a importância geoestratégica de São Tomé e Príncipe na rota do atlântico, no quadro da iniciativa a nova rota da seda? Quais são as implicações para São Tomé e Príncipe dessa iniciativa a nova rota da seda?

2.         Breve panorama sobre São Tomé e Príncipe

São Tomé e Príncipe é um dos menores Estados do mundo e o segundo menor de África, depois das Ilhas Seicheles, com uma superfície total de 1 001 km2, e uma população aproximadamente de 200 mil habitantes, dominantemente jovens de menos de 25 anos, que constituem 62% da população.

O país tem um sistema democrático em consolidação, e ocupava em 2017, a 11.ª posição no Índice Ibrahim de Boa Governação Africana e 7º posição no Índice de perceção da corrupção da Transparência Internacional, entre os 49 países de africa subsaariana em 2018.

A economia são-tomense é à semelhança dos pequenos Estados insulares em desenvolvimento (SIDS), fortemente afetada pela natureza insular do país, fragilidade económica, escassez de recursos, fraca capacidade de absorção, vulnerabilidade aos choques externos e muito dependente da ajuda pública ao desenvolvimento para financiamento das despesas de investimento, mais de 90%. O setor terciário, em grande parte informal, representa cerca de 30% do PIB e emprega 60% da população ativa, enquanto os sectores primários e secundários contribuem respetivamente com 8% e 17% do PIB.

Apesar da taxa anual média de crescimento de 4,5% na última década, impulsionada, principalmente pelo aumento do investimento direto estrangeiro, pelo lançamento de novos projetos financiados por doadores e pela melhoria das receitas do turismo, a percentagem da pobreza no país continua muito elevada, afetando 66% da população. A fraca diversificação da economia são-tomense, a forte dependência de importação, o baixo nível de exportação faz com que a balança de pagamento seja estruturalmente deficitária.

Apesar disso, São Tomé e Príncipe foi considerado elegível para a graduação de categoria de países menos desenvolvidos para grupo de países de rendimento médio, pelo Comité de Desenvolvimento das Nações Unidas em 2015, com base no seu PIB per capeta de 1.912.97 USD, acima do limiar de graduação (1.242) e na sua pontuação no Índice de ativos humanos (HAI) 77.4, igualmente acima de limiar de graduação de países menos avançados que é (66.0). 

Porém, persiste um conjunto de vulnerabilidades estruturais e conjunturais decorrente da sua condição de pequeno estado insular em desenvolvimento (SIDS) e país altamente endividado, sujeito a desafios de desenvolvimento que derivam de fatores tais como isolamento relativo, mercado de pequeno tamanho, recursos e base de exportações limitadas, suscetibilidade a choques económicos externos e vulnerabilidade aos efeitos de alterações climáticas, etc. Por isso, o país precisa encontrar mais rapidamente possível, soluções sustentáveis para superação dos inúmeros desafios e encontrar o caminho de desenvolvimento.

3.         Localização como vantagem comparativa de São Tome e Príncipe.

Os especialistas em prospetiva são unânimes em afirmar que a África é, por excelência, «Continente do Futuro» e que deverá, nas próximas décadas, contribuir significativamente para o crescimento mundial.  No seio desta África em ebulição, os países do Golfo da Guiné, desempenham um papel preponderante, graças aos importantes recursos naturais que dispõem, visto como um complemento, ou mesmo a substituição, do fornecimento global que advém da complexa, saturada e muito problemático, em termos de segurança, região do Golfo Pérsico.

As jazidas de petróleo e de gás natural da região são cada vez mais procuradas pelas grandes potências e empresas associadas, pois existem enormes reservas petrolíferas por explorar, sendo as reservas em offshore estimadas em cerca de 20 mil milhões de barris de petróleo (Leandro e Almeida, 2017). De acordo com este autor, o Golfo da Guiné possui uma das maiores reservas de petróleo mundial em offshore, bem como consideráveis reservas de gás natural. Esta região é também rica em onshore, em petróleo e gás. E o facto de se encontrar a cerca de 14.000 km (mais perto que a região do Médio Oriente) das costas norte-americanas (por via oceânica aberta, sem canais ou estreitos que dificultem o transporte), lhe confere uma localização privilegiada e uma acrescida importância político-estratégica no mapa energético global.

O interesse global pela região do Golfo da Guiné pode ter várias razões. Porém, para Barros (2013), a base da atração de diferentes atores mundiais para a região é fundamentalmente determinada pelos interesses energéticos conotados à indústria petrolífera. Para este autor, a posição geográfica e geoeconómica da região no quadro da segurança energética, a abundância de hidrocarbonetos está no centro das motivações de atores privados e governamentais que vêm na região uma oportunidade ímpar para a maximização dos seus dividendos económicos e financeiros e para suprir as necessidades energéticas crescentes e segurança. Por esta razão, a zona tornou-se principal destino mundial dos investimentos diretos estrangeiros, efetuados principalmente pelas corporações petrolíferas multinacionais de cariz global, com destaque para a EXXON Mobil, Total, Chevron, Shell, British Petroleum (BP) e a ENI (Clarke, 2010).

O Golfo da Guiné é sobejamente conhecido pelos seus imensos recursos natural (petróleo, gás, diamante, ouro e outros minerais) e é indiscutivelmente a região potencialmente mais rica da África (Lins, 2011; Aguiar, 2013). Assim, a região do Golfo da Guiné emergiu como potência global produtora de hidrocarbonetos, o que tem levado à definição de um novo realinhamento político-estratégico regional e continental.

De acordo com Nascimento, em virtude das mudanças no mundo, a região do Golfo da Guiné tornou-se uma zona economicamente vital devido as suas reservas energéticas. A região é fornecedora de recursos energéticos às economias capitalistas e as emergentes (Nascimento, 2011).

Segundo o Nascimento “o Golfo da Guiné constituirá a breve trecho a segunda região petrolífera do mundo” (Nascimento, 2011:108). Um verdadeiro “boom” do petróleo está em ação no Golfo da Guiné, considera Andre-Louis Sanguin (2014). De facto, o Golfo da Guiné tornou-se importante quer enquanto leito de recursos quer como cruzamento de rotas, pelo que a segurança marítima tem implicações regionais e globais.

Como aponta Pavia, o Golfo da Guiné é uma região importante, tal como o Médio Oriente, em vista do redobrado e revitalizado interesse pelo petróleo do continente africano, no âmbito da nova configuração geopolítica do petróleo. Porém, a instabilidade vivida no Golfo Pérsico deu maior importância a países como Angola, Guiné Equatorial, Nigéria e S. Tomé e Príncipe, designados por “Quarteto Estratégico” (Pavia, 2013: 217).      De facto como realçaram Almeida & Bernardino (2013), dos oito países pertencentes à Comissão do Golfo da Guiné, Angola, Guiné Equatorial, Nigéria e São Tomé e Príncipe, constituem um eixo muito importante, formando mesmo o que esses autores definem como um “quarteto estratégico” no quadro da nova geopolítica regional do petróleo, salientando que, está-se perante o primeiro, segundo e terceiro maiores produtores da África subsaariana.

Segundo Escorrega (2010), as recentes descobertas de grandes blocos de petróleo no Golfo da Guiné, nomeadamente na Guiné Equatorial, São Tomé e Príncipe, Angola e Nigéria, numa escala que contempla as maiores reservas do mundo, têm mobilizado em particular o interesse dos EUA por essa região do continente africano.

Se no seio desta África em ebulição os países do Golfo da Guiné desempenham um papel preponderante, no centro do Golfo da Guine está São Tomé e Príncipe, país com atributos geográficos ímpares que lhe permite tornar-se num ponto estratégico na região. Por isso, falar de São Tomé e Príncipe na rota do atlântico, particularmente no Golfo da Guiné, necessariamente temos que referir a sua localização geoestratégica. Porque a localização no centro do Oceano Atlântico, confere-lhe um ponto de passagem entre o Norte e o Sul e vice-versa, e no meio do Golfo da Guiné, lhe confere um papel de integração, de plataforma de ligação, num centro de trânsito e de distribuição para a sub-região.

De facto, a posição estratégica das ilhas, ao longo dos séculos, tem sido apontada como o maior capital dos seus habitantes, a sua mais valiosa moeda de troca e a sua vantagem comparativa. Segundo Neves (2017) a localização geográfica de São Tomé e Príncipe vem conferindo ao país uma acrescida importância geopolítica, geoestratégica e geoeconómica, atendendo aos novos desafios que se colocam à sub-região africana.

Neste sentido, o Governo de São Tomé e Príncipe elaborou em 2015 uma Agenda de Transformação, cuja visão é transformar o país numa plataforma logística, num “gateway”, ou ainda num “hub” regional de serviços marítimos, portuários e aeroportuários para o Golfo da Guiné. Essa visão assenta em dois pilares: construção de um porto de transbordo de águas profundas e um aeroporto de grande dimensão.

De facto, observando a localização geográfica, São Tomé e Príncipe é por natureza um “gatway”, i.e., um ponto de facilitação de contactos com outros países da região, um “link”, um elo, um nó de ligação entre os países da sub-região. Uma plataforma de facilitação, de organização do fluxo de serviços entre diversos países da sub-região. A curta distância, por via aérea, do continente e das principais capitais do Golfo da Guiné torna viável o país constituir-se num autêntico “hub” (plataforma giratória) da região, transformando-se numa nova central de distribuição de pessoas, bens e serviços para os países da região (Costa, 2011).

A transformação do país numa plataforma logística é fundamental para atração de investimento direto estrangeiro, aumento da dinâmica do comércio e integração do país na economia regional e mundial.

São Tomé e Príncipe deve aproveitar melhor as oportunidades que a localização e a entrada no clube dos países produtores de petróleo lhe conferem, atendendo que os conflitos que assolam muitos países da região contrastam com a paz social, ausência de conflitos étnicos, tribais ou de índole religiosa no país, o que pode constituir uma importante vantagem competitiva, criando uma oportunidade única para a sua economia através da atração de investimento estrangeiro (Costa, 2011).

Mas, para melhor aproveitamento da sua posição geoestratégica no Golfo da Guiné, o país precisa desenvolver uma verdadeira estratégia voltada para o aproveitamento de fatores derivadas da sua posição geográfica, e dar maior valorização às estratégias económicas baseadas na exploração de diversos triunfos derivado da sua localização.

4. Importância geoestratégica de São Tomé e Príncipe na rota do atlântico, no quadro da iniciativa a nova rota da seda.

A iniciativa a nova rota da seda é uma parceria estratégica global entre a China e o resto do mundo, com vista aumentar a sua influência internacional. É uma ponte que interliga vários mercados desde a China, Asia Central, Europa, África e América Latina, criando um mercado único, convertendo a China no motor do crescimento económico mundial. Um projeto de expansão do poder chinês no mundo, mais um passo na busca da China por se tornar a grande potência mundial, pelo menos ao nível dos Estados Unidos da América (EUA).

Trata-se de estreitamento dos laços de cooperação e integração da economia mundial com a China como seu centro. Essa integração dá acesso, principalmente a China a diversos novos mercados e aos recursos energéticos, especialmente petróleo e gás e outros recursos minerais. Beijing pretende conectar as infraestruturas dos países participantes, ao mesmo tempo em que os encoraja a abrirem os seus mercados para facilitar o comércio, ligarem os seus mercados financeiros e até mesmo a alinharem as suas políticas de desenvolvimento económico com o da China (Eder, 2018).

De acordo com Nantulya (2019) a iniciativa a nova roda da seda também aumenta o controle de Pequim sobre cadeias de fornecimento globais críticas a sua capacidade de redirecionar o fluxo do comércio internacional. E o continente africano é parte importante deste ambicioso projeto chinês, o engajamento da China com África é um elemento crucial na estratégia de envolvimento global que no seu centro a “grande rejuvenescimento da nação chinesa” (Nantulya, 2017).

Através desta iniciativa Beijing obtém, por um lado, acesso a recursos naturais da África e por outro lado, cria uma coalizão de países amigos nas organizações internacionais (Krukowska, 2018).

São Tomé e Príncipe devido a sua localização geoestratégica privilegiada podem vir a desempenhar um papel importante enquanto posto estratégico para gestão dos interesses da China no Golfo da Guiné e no Atlântico Sul, no quadro da iniciativa a nova rota da seda. É que apesar de não ser mercado de consumo final, a localização estratégica, a estabilidade política e social, e o facto de São Tomé e Príncipe está rodeado de países onde existem indústrias com investimentos chineses de muito longo prazo, particularmente ás indústrias extrativas, habilita o país a transformar-se numa base de apoio logístico às atividades e investimentos chineses no Golfo da Guiné, numa base de apoio à navegação e transportes de mercadorias chinesas no atlântico sul, numa plataforma para negócios e investimentos da China no Golfo da Guiné, numa base para oferta de serviços, nomeadamente de logística aérea e portuária para as atividades e investimentos de empresas chinesas na região.

O Golfo da Guiné é uma das zonas do continente africano com muitos recursos, com uma população muito jovem e com uma classe média a crescer em termos de poder de compra, portanto, um mercado de destino para os produtos chineses. É de realçar que 40% do PIB do continente estão a menos de duas horas de São Tomé e Príncipe, ascendendo a 900 mil milhões de dólares, e que os países do Golfo da Guiné têm uma população atual de 350 milhões e que em 2050 deverão ser de 400 milhões a 500 milhões, com um crescente poder de compra.

Figura 1. Localização de São Tomé e Príncipe na Região do Golfo da Guiné


Fonte: Google Mapas, com alteração do autor.

São Tomé e Príncipe pode ser um “hub” estratégico ao longo de rota marítima de seda, um nó crítico do caminho marítimo da seda no Atlântico Sul e no Golfo da Guiné. Segundo Nantulya (2019), os portos de Moçambique, Angola e São Tomé e Príncipe estarão ligados à iniciativa chinesa a nova rota da seda. Neste sentido, a construção do porto em águas profundas e o aeroporto, duas infraestruturas essenciais em que já há muito tempo o país vem procurando financiamento para sua realização, podem ser construídos, com finalidade de responder, não só os interesses de São Tomé e Príncipe, através de criação de postos de trabalho, melhoria do clima de negócios, na atração de investimentos, e melhoria de funcionamento das atividades económicas. Mas, sobretudo, para responder os interesses da própria China, ao servir de uma plataforma logística dos investimentos, atividades e interesses chineses na sub-região de diversas maneiras.

De acordo com Nantulya (2019) em 2017, empresas estatais chinesas - já ativas em 40 portos na África, Ásia e Europa - anunciaram planos de comprar ou obter participações em nove portos estrangeiros, todos localizados em regiões onde a China planeia desenvolver novas rotas marítima, incluindo São Tomé e Príncipe, onde um novo porto de águas profundas está planeado.

São Tomé e Príncipe carece de infraestruturas como um porto em águas profundas e um aeroporto de maior capacidade, por um lado. Por outro lado, a China precisa de um porto logístico multifunções ou multimodal para suas operações no Golfo da Guiné e São Tomé e Príncipe é ideal dada a sua localização privilegiada, bem como, o ambiente social, político e cultural. Neste sentido, empresas chinesas podem apoiar o projeto de construção do porto em águas profundas, ajudar a melhorar a rede de infraestruturas, facilitar as conexões entre São Tomé e Príncipe e os países da subregião e fazer do país um centro logístico para região. Isto é tanto conveniente para São Tomé e Príncipe como para a China. Portanto, a iniciativa a nova rota da seda se encaixa perfeitamente dentro do plano de desenvolvimento de São Tomé e Príncipe e vice-versa.

Ficou claro no 4º Fórum China África de cooperação, em setembro de 2018 que o engajamento de segurança, incluindo o combate ao terrorismo, pirataria, proteção dos cidadãos chineses e infraestruturas económicas é uma nova prioridade da China e constitui uma parte importante do Plano de Ação China África de 2019-2021. Em linha com esse plano de ação, 50 novos programas de segurança foram estabelecidos associados ao risco da nova rota da seda através de assistência contra terrorismo, reforço de lei, sistema de alerta rápido e proteção de infraestruturas em adição a tradicional assistência militar (Nantulya, 2019). Porque os investimentos chineses estão a tornar-se cada vez mais vulneráveis aos conflitos locais e a instabilidade.

Aqui, também São Tomé e Príncipe como plataforma logística aparece como um palco ideal para estabelecimento de uma política de segurança abrangente, para luta contra terrorismo, proteção de infraestruturas, proteção de missões e atividades chinesas e de proteção de iniciativas chinesas no quadro da nova rota da seda, no atlântico sul, particularmente, no Golfo da Guiné.

O país está numa fase crucial do seu desenvolvimento e enfrenta desafios e oportunidades sem precedentes e a China está num processo de expansão da sua atividade e investimento no mundo, particularmente no continente Africano, incluindo nos países do Golfo da Guiné. Por isso, os dois países devem reforçar a cooperação pragmática e transformar a localização estratégica de São Tomé e Príncipe em vantagens para ambos os países.

Através de procura de pontos comuns São Tomé e Príncipe pode implementar a sua agenda, nomeadamente, construção do porto em águas profundas, e o aeroporto, infraestruturas essenciais para sua interconexão e integração económica na sub-região ao mesmo tempo que a China realiza seus interesses na região utilizando São Tomé e Príncipe como plataforma.

Porem, para maior sucesso dessa cooperação, São Tomé e Príncipe deve aprofundar muito mais o conhecimento sobre os pontos fortes da China e, sobretudo, aprofundar mais o conhecimento sobre os seus próprios pontos fortes, e estabelecer a ligação entre os dois pontos. O país tem que definir claramente, o que quer com a China, ou como a china se enquadra na sua própria estratégia de desenvolvimento, formular e estruturar, explicitamente qual é o seu papel e o que precisa da China. O país deve evitar adoção do modelo clássico em que alguns países africanos estão virados para a China, como a única solução para seus problemas. São Tomé e Príncipe deve procurar uma parceria inteligente, uma parceria estratégica e compreensiva, i.e., uma cooperação tridimensional, ampla e multi-atores, de longo termo e estável, mutuamente benéfica e “win-win”, tomando em conta as suas próprias limitações, as suas próprias características (Wekesa; 2015).

5. Implicação para São Tomé e Príncipe da Iniciativa a nova rota da seda

Logo após a independência em 1975, São Tomé e Príncipe e a China rubricaram vários acordos de cooperação. Assim, em 25 de Dezembro de 1975 os dois países assinaram o acordo sobre a cooperação económica e técnica em que a China concedeu a São Tomé e Príncipe, um crédito no montante de trinta milhões de “Ren Mi Bi”, sem juros e isentos de qualquer condição, para um período de cinco anos a contar de primeiro de Janeiro de 1976 a 30 de Dezembro de 1980. Na mesma data os dois países concordam em conceder reciprocamente o tratamento da nação mais favorecida em relação aos direitos aduaneiros e as demais taxas e impostos das mercadorias de importação e exportação e trânsito. No mesmo ano de 1975, os dois países assinam um protocolo sobre a vinda da equipa médica chinesa para trabalhar em São Tomé e Príncipe, este protocolo contemplava igualmente o fornecimento de medicamentos e aparelhos médicos.

Seguiram-se vários outros acordos como, o acordo cultural assinado em Julho de 1983, o acordo sobre a cooperação económica e técnica, em que a China concede um crédito no montante de “Ren Mi Bi” oito milhões de yuans, sem juros e qualquer outra condição, entre 1 de Janeiro 1984 a 30 de Dezembro de 1988, para construção do Palácio dos congressos, o acordo de concessão de crédito em mercadorias de 1983, acordo sobre o fornecimento de empréstimo, sem juros, no montante de trinta milhões de yuans para cinco anos contados a partir de dia 1 de Julho de 1993 até 30 de Junho de 1998.

Entretanto, em 1997 São Tomé e Príncipe, rompe as relações diplomáticas com a República da China Popular em virtude de reconhecimento da China Taiwan. Porém, cerca de 20 anos depois, em Dezembro de 2016, em defesa do interesse nacional e fruto de conjuntura internacional, da influência cada vez maior da China, não só no continente Africano, como em todo mundo, agregado ao acelerado crescimento económico chinês o Governo de São Tomé e Príncipe decidi reorientar a sua política externa e reconhece o princípio de existência de uma só China representada pelo direito internacional pela República Popular da China. A partir daí a relação China - São Tomé e Príncipe entra numa nova era e ganha outra dinâmica e amplitude.

Nesta nova era de relações diplomáticas, a China e São Tomé e Príncipe podem estabelecer uma parceria estratégica mutuamente benéfica, na medida em que China procura realizar os objetivos dos dois centenários, mormente, o de construção de uma sociedade moderadamente próspera até 2021 e o sonho de grande revitalização ou rejuvenescimento da nação chinesa em 2049. Enquanto São Tomé e Príncipe busca implementar a sua agenda de transformar o país numa plataforma de prestação de serviços a sub-região e fazer uma maior integração económica mundial.

Como vimos a China é o principal investidor no continente africano e um dos principais investidores a nível mundial, e São Tome e Príncipe, enquanto um pequeno Estado, insular e em vias de desenvolvimento, não podia continuar a margem desta considerável vaga de investimentos da China no continente africano. Por essa razão, mesmo antes da retoma de relação diplomática, as autoridades nacionais estavam a negociar com os empresários chineses vindos da China Popular, Angola, Portugal e Gabão, o investimento para a construção do porto de águas profundas e outros projetos estruturantes como vias de comunicação, saneamento, energia, bem como em outras infraestruturas, através do reforço da cooperação empresarial. Podemos dizer que a retoma da relação diplomática com a China Popular se enquadrou no esforço do Governo são-tomense na busca de parceiros para alavancar os investimentos estruturantes em São Tomé e Príncipe.

É de realçar que desde retoma de relação diplomática em finais de 2016, a China já contribuiu, só em donativo para apoio direto ao Orçamento Geral do Estado, em cerca de 30 milhões de dólares, sendo 11 milhões desembolsados em 2017, 10 milhões em 2018 e 8 milhões previstos para 2019. Este valor não inclui a assistência a projetos nos domínios de agricultura, saúde, educação e infraestruturas. Assim a China tornou-se, no espaço de dois anos, em principal parceiro de desenvolvimento de São Tomé e Príncipe.

São Tomé e Príncipe pode aproveitar as oportunidades oferecidas pela iniciativa a nova rota da seda, através do Plano de Ação de cooperação China-África para os próximos três anos (2019-2021), para implementar a sua agenda de transformação. No quadro desta iniciativa a China poderá apoiar São Tomé e Príncipe a reforçar a sua capacidade de crescimento endógeno, nomeadamente através de construção de porto de transbordo em águas profundas, no desenvolvimento de uma plataforma logística marítima e aeroportuária, numa zona de prestação de serviços para sub-região e em vários outros domínios.

São Tomé e Príncipe tem condições do clima e de solo bastante favoráveis ao desenvolvimento de agricultura. Porém a sua agricultura é pouco desenvolvida e o país enfrenta o desafio de segurança alimentar. Por isso, atendendo a vasta experiência a China poderá apoiar o país no desenvolvimento deste sector fundamental, á garantir a sua segurança alimentar e nutricional, através da modernização das infraestruturas, na transferência de tecnologias agrícolas, no reforço de capacidade de produção, na formação técnica.

As infraestruturas económicas e sociais são fundamentais para o desenvolvimento, e o país carece dessas infraestruturas. Neste domínio, a China pode desempenhar um papel muito importante. Pois, a visão de desenvolvimento do país assenta em dois pilares fundamentais – o porto em águas profundas e o aeroporto de maior dimensão. Tratando-se de um país tão pequeno, nos próximos 30 a 40 anos só haverá um porto de águas profundas e um aeroporto de grande dimensão. Por isso, o impacto destas obras é grande e pode colocar a China como o primeiro parceiro do país e, sobretudo, um parceiro fundamental na transformação estrutural da economia são-tomense. E isso tem o seu significado do ponto de vista político, diplomático, geoestratégico.

O facto de os parceiros tradicionais demonstrarem dificuldades de várias ordens para financiamento do projeto de porto de águas profundas em São Tomé e Príncipe pode dar à China a oportunidade de reafirmar uma vez mais como potência alternativa para o desenvolvimento do país. Dada a importância dessas duas infraestruturas para o país, sendo duas únicas portas de entrada a país: por mar, i.e., através do porto ou pelo ar, através do aeroporto.

Além dos dois projetos estruturantes de porto e aeroporto já referenciados, a China pode apoiar São Tomé e Príncipe na construção de vias de comunicação, pontes, habitação social, edifícios administrativos, energias, etc.

A economia e o desenvolvimento de São Tomé e Príncipe passa indiscutivelmente pela indústria ou atividades ligadas ao mar. O facto de a extensão do território marítimo ser cerca de 160 vezes superior a superfície terrestre é uma indicação natural que se deve apostar e procurar mais os parceiros que ajudam a desenvolver esta parte do território. O território marítimo de São Tomé e Príncipe é superior a de muitos países africanos e.g., os Camarões e o Gabão. Neste domínio a China pode igualmente ter um papel fundamental, apoiando o país no desenvolvimento de uma indústria marítima, na promoção da economia azul, no desenvolvimento da pesca industrial, com a construção em terra de uma indústria de transformação, no desenvolvimento de aquacultura costeira, na construção e reparação naval, na segurança marítima, exploração e utilização de recursos marítimos, na elaboração de planificação de zona económica especiais, zonas industriais portuárias no litoral marítimo, na formação de profissionais no domínio de navegação marítima e noutras atividades ligadas ao mar. Atendendo a abundante riqueza existente no mar, São Tomé e Príncipe deve definir o mar e o desenvolvimento de toda atividade ligada ao mar como um desígnio nacional. As questões do mar são cruciais e devem constituir o cerne da política externa são-tomense (Nascimento, 2011).

São Tomé e Príncipe é um país essencialmente turístico, um dos melhores destinos turísticos no mundo e a China é atualmente um dos principais emissores de turistas ao nível mundial. Por isso, também neste domínio os dois países têm aqui uma área para o desenvolvimento de cooperação. Neste quadro, o embaixador chinês em São Tomé e Príncipe, Wang Wei, anunciou, em Outubro de 2018, que o seu governo acrescentou São Tomé e Príncipe à lista de países que os chineses devem visitar. Mas para o desenvolvimento do turismo São Tomé e Príncipe precisa de investimentos em infraestruturas, nomeadamente, na construção de um aeroporto que permita voos diretos a partir de mercados emissores, como os asiáticos, americano e mesmo da Europa.

Portanto, São Tome e Príncipe pode aproveitar a oportunidade oferecida pela nova rota da seda para desenvolvimento de outros domínios de atividade, como a saúde e a educação. Mas isso não quer dizer que a China vai resolver todos os problemas do país, quer dizer apenas que, se bem exploradas, no quadro de uma parceria inteligente, São Tomé e Príncipe pode aproveitar as oportunidades, os mecanismos e fundos existentes para criação de condições que possam alavancar a economia e desenvolvimento do país. Sobretudo num contexto em que a ajuda pública ao desenvolvimento tem vindo a baixar, em que os países europeus ainda estão a recuperar da crise económica e financeira de 2008, e em que prevalece uma grande incerteza quanto ao que esperar dos Estados Unidos de América.

Conclusão

São Tomé e Príncipe tem de facto uma posição geográfica estratégica no centro de uma das regiões mais relevantes no continente africano, não apenas ao nível dos recursos naturais, mas também do seu peso demográfico e de crescente poder de compra.

Atendendo as características do país e dos interesses, investimentos da China na África, particularmente nos países do Golfo da Guiné, São Tomé e Príncipe é um ponto incontornável, estratégico na nova rota da seda, um nó para desenvolvimento de operações de empresas e investimentos chineses no Golfo da Guiné.

As infraestruturas como o aeroporto e o porto em águas profundas multifunções, ou seja, um porto “hub” pode servir de base central para logística das empresas e os investimentos chineses na subregião. Por isso, a agenda de desenvolvimento do país se enquadra perfeitamente na iniciativa a nova rota da seda e vice-versa e a cooperação China São Tomé e Príncipe é mutuamente benéfica.

Todavia o país precisa aprofundar o conhecimento sobre si mesmo e sobre o papel que pode desempenhar no atlântico sul e no Golfo da Guiné, de desenvolver um pensamento político, uma estratégia consistente voltada para o aproveitamento da sua posição geoestratégica no Golfo da Guiné. Precisa desenvolver uma verdadeira estratégia política voltada para o aproveitamento de todos factores derivados da sua posição geoestratégica, de dar maior valorização às estratégias económicas baseadas na exploração de diversos trunfos derivado da sua localização e consequentemente, desempenhar um papel mais ativo no atlantico sul e no Golfo da Guiné.

Referências

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